terça-feira, outubro 11, 2011

A ida Parte I


Depois de ter percebido que não valia a pena ter-me vestido de branco virginal para fazer uma evacuação de transporte aéreo de um sinistrado de Marrocos para aqui, já era tarde. O médico apresentava-se de roupa género na volta como uma sandezinha de leitão na Mealhada e, apenas os pilotos mantinham a fachada da camisa branca com calças azuis e gravata. Quando a porta do avião se abriu no deserto que era a pista, e tudo o resto aliás, a onda de calor disparou insana para dentro dos pulmões e das córneas, deixando-me automaticamente cega e a arfar, transpirada até às cuecas como se tivesse vindo a pé do Bangladesh até ali. A pista salpicada de jipes militares velhíssimos, albergava árabes armados de metralhadora, que acenavam de uma maneira pirosa e nada reconfortante.
Quando consegui pensar algo do género, ai a minha vida, decidi que a partir dali qualquer protocolo estapafúrdio, que inclui-se fazer sempre uma vénia à fotografia do Rei pespegada no meio de flores e de tapetes nas 7.865 tendas que fui encontrando na jornada era para cumprir a preceito e sem desculpas de calor ou poeira ou moscas, que o rei está primeiro em tudo e pelo sim pelo não baixa outra vez a vista e faz um ar moribundo que assim pode ser que te safes.
A base do aeroporto, e aqui estou a ser fantasticamente benevolente, era uma espécie de alfandega pardieiro, com direito a usar um daqueles buracos no chão a que pomposamente chamam retretes Turcas capazes de tornar qualquer ímpio num ardente crente, ao acocorados de pernas em X desatar a pedir á virgem Maria para que num acesso de uma coisinha má a malta se tiver que cair, que seja de cabeça para a frente e não para trás naquele buraco que de repente se torna um olho gigante de ferrugem e de restos semi-secos de pasta a identificar noutras núpcias. Saio de mãos molhadas a pingar lentamente o chão enquanto o meu passaporte está a ser espiolhado até ao tutano, remirado e folheado com a religiosidade de um Corão, por detrás de uma barreira aquário de plástico e alumínio salpicado de cagadelas de moscas, fazendo um esgar que pretende assemelhar-se a um sorriso, o árabe responde-me na mesma moeda e depois de não sei quantas perguntas em francês muito contrariado devolve-me o dito. O médico nos entre tantos qual pilha eléctrica humana repetia sucessivamente em português que a gente não pode em circunstancia nenhuma ficar sem o passaporte, como se aquele quadrado fosse o bilhete mais directo de entrada no céu depois de levarmos um tiro na nuca. Nesta altura do campeonato já era eu que lhe dava facilmente um…

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