sexta-feira, outubro 14, 2011

A estadia Parte II



Prometeram-nos uma ambulância a sério. O médico rejubilou para murchar de seguida, a dita era na realidade uma carrinha moribunda que fazia as vezes de táxi, carrinho de compras e transporte semi-funerário, que ostentava uma garrafa de gaz na parte superior da maca (?) periclitantemente enrolada num cinto de segurança que já conhecera melhores dias…
 Logo após o marroquino ter retirado papéis, telemóvel topo de gama, e outros acessórios que não me recordo, cavalheiramente dispensaram-me o lugar do morto, arrancámos à velocidade furiosa de um supersónico gaguejante, enquanto o médico fixava dormente o CD brilhante que rodopiava pendurado no espelho retrovisor, agarrado miseravelmente à rede que o separava da cabine.
O arranque, a travagem, o ziguezague contínuo, as apitadelas de dois em dois metros, o vermelho psicadélico dos sinais deixados para trás, a rasante aos passeios de levantar túnicas, rodopiar os cirwal e os xador, o cheiro quente do coentro da canela e das especiarias, enquanto freneticamente procurava o cinto, e o maldito se ria enquanto atendia o telemóvel, fez-me soltar a verborreia em francês, quando me apercebi que o gajo deixava de olhar para a frente e espalhafatosamente exibia mais um ziguezague gritando: - n'ayez pas peur que je conduis bien, et nous n'avons pas ici l'utilisation des ceintures de sécurité !  
O rádio Blaupunkt continuava na sua lamuria em marroquino e, eu já zonza finquei os pés no fundo da “ambulância”em quase pânico. O hospital da zona é militar, portanto mandaram o sinistrado para um hotel, virado para o mar, do outro lado de uma rua imensa sem passadeiras visíveis, inundada de replicadores perfeitos do suposto “bombeiro, rapaz de entregas, mecânico, ajudante de cozinha, guia”, deixando-me do lado de cá, carregada com a maca dura desinsuflada nos braços a olhar bovinamente a rua pista-carrinho-de-choques, enquanto o marroquino do lado de lá, o gajo tem asas só pode, gesticulava frenético de canelas ao ar. Ainda não vos referi que a criatura ostenta um sorriso prazeiroso com dois dentes de oiro e três cáries, mas quando fala ao telemóvel não se nota porque é daqueles de abrir e metade está em cima da boca e eu não me lembro exactamente como passei para o outro lado. Adiante…
Já no hotel e numa salinha que continuava a olhar para o mar, estava o sinistrado com ar europeu ruborizado e dorido, de amena cavaqueira com o companheiro de viagem, sentado numa cadeira a beber chazinho que faz bem aos nervos e às três costelas partidas, a rebolar os olhos da seca que era agora a mota ter que ir de reboque até Portugal e coiso, veja lá que maçada, tínhamos já combinado ir até ao Congo, que maçada, trouxeram a ambulância? que sim dizia-lhe o médico de estetoscópio em punho. Pensei de imediato certificar-me se continuávamos a ter retretes turcas por ali, mas os preenchimentos burocráticos que um dos seguranças árabes com dois metros e cento e setenta e quatro quilos me passava firmemente um a um impediram-me, seguidos de um oh Sra. Enfermeira dê já ao sinistrado um Nolotil que isto dói de certeza puseram-me de imediato a rebolar também os olhos, que maçada, não conseguiram chegar ao Congo, que maçada, estou para ver onde é que o cabrão do marroquino vai enfiar a garrafa de gaz, que maçada…

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