- O que queres ser quando fores grande? Perguntava a Mar.
- Quando eu for grande quero ser arqueóloga, andar de joelhos com um pincel a escavar devagarinho e em silêncio, coisas que os vivos deixaram aos mortos para nunca esquecerem a sua parte terrena. Juntar bocadinhos de barro, contas e ferros e ossos, até renascer o esquecido. Perceber do que morreram, quando morreram, quem eram e quanto eram amados ou odiados. Agradecer oferendas misteriosas de coisas soltas que só eu saberia juntar.
- Quando eu for grande quero ser arqueóloga, andar de joelhos com um pincel a escavar devagarinho e em silêncio, coisas que os vivos deixaram aos mortos para nunca esquecerem a sua parte terrena. Juntar bocadinhos de barro, contas e ferros e ossos, até renascer o esquecido. Perceber do que morreram, quando morreram, quem eram e quanto eram amados ou odiados. Agradecer oferendas misteriosas de coisas soltas que só eu saberia juntar.
Mas tudo era tempo demais, e eu queria mesmo era bazar depressa para um tecto pago por mim.
Entretanto, pintava coisas e lousas, e tábuas e paredes e tectos, e via-me Miguel Ângelo no andaime, esborratada de tintas e cores, e as formas a pular nas galerias em caras espantadas de gozos. Mas a vida não me quis de boina ao lado, a vida de artista era o sub mundo e ninguém lá em casa me deixou ficar com os pincéis. Ficas com as paredes que até tens jeitinho.
Depois, o sonho foi esmorecendo ao lado dos sapatos de pontas que se riam estuporados no fundo do armário. Era demasiado ossuda, demasiado grande, demasiado masculinizada, demasiado independente, sem o lado de bijou queridinho, e depois de ter partido o espelho inadvertidamente com uma patada, aconselharam-me delicadamente a procurar um rumo mais adequado à quantidade de massa muscular que não parava sossegada no maiô.
Armar-me em maluca com estilo, resultou numa fractura de rótulas num salto idiota de confiança sobre a mesa alemã. Chama-se a isto, hormonas em desacordo absoluto. E, quando as costas retesadas de músculos do remo decidiram rebentar com todos os botões da camisa, parei. Os calos nas mãos incomodavam muita gente, e eu tinha uma noção muito vaga do que era uma manicure.
Agora passo a vida mascarada de azul, entre ossos e visceras e nervos e humores, num ambiente asséptico sem poeiras e sol, agradecendo a percepção da dor para tentar minimizar a dos outros. Pinto com betadine corpos, faço pinos com sapatões cor-de-laranja, danço ás vezes pelos corredores, e manejo peças soltas esquecidas pelos vivos que montadas dão caixas de bujigangas metalizadas.
Entretanto, pintava coisas e lousas, e tábuas e paredes e tectos, e via-me Miguel Ângelo no andaime, esborratada de tintas e cores, e as formas a pular nas galerias em caras espantadas de gozos. Mas a vida não me quis de boina ao lado, a vida de artista era o sub mundo e ninguém lá em casa me deixou ficar com os pincéis. Ficas com as paredes que até tens jeitinho.
Depois, o sonho foi esmorecendo ao lado dos sapatos de pontas que se riam estuporados no fundo do armário. Era demasiado ossuda, demasiado grande, demasiado masculinizada, demasiado independente, sem o lado de bijou queridinho, e depois de ter partido o espelho inadvertidamente com uma patada, aconselharam-me delicadamente a procurar um rumo mais adequado à quantidade de massa muscular que não parava sossegada no maiô.
Armar-me em maluca com estilo, resultou numa fractura de rótulas num salto idiota de confiança sobre a mesa alemã. Chama-se a isto, hormonas em desacordo absoluto. E, quando as costas retesadas de músculos do remo decidiram rebentar com todos os botões da camisa, parei. Os calos nas mãos incomodavam muita gente, e eu tinha uma noção muito vaga do que era uma manicure.
Agora passo a vida mascarada de azul, entre ossos e visceras e nervos e humores, num ambiente asséptico sem poeiras e sol, agradecendo a percepção da dor para tentar minimizar a dos outros. Pinto com betadine corpos, faço pinos com sapatões cor-de-laranja, danço ás vezes pelos corredores, e manejo peças soltas esquecidas pelos vivos que montadas dão caixas de bujigangas metalizadas.
Plim!
eu, quando for grande só quero ser eu. mas tu, masculinizada ou não, pareces-me bem assim... ;) plim!
ResponderEliminarAi mulher e tu eras lá capaz de desperdiçar os teus sonhos e não os reciclares na vida de agora! :))
ResponderEliminarLá por estarmos mais crescidas (cóf, cóf ;), não há como brincar como quando eramos mais pequenas.
Oh fábula, mas eu não sou o espectro de ninguem.
ResponderEliminarEu, sou eu.E garanto-te sem falsas humildades que quem me conhece sabe isso muito bem.
e obrigado
;o)
Pois é marie, sempre fui uma mãozinhas
ResponderEliminar:D
E as meninas crescidas como nós(atchim!! esta constipação ainda nos mata)têm uns brinquedos altamente!
E se não amansas faço queixa ao sr. director ;)
ResponderEliminarPorra! Só a mim é que me calham Sôtoras com pinta de "Madretreza".
Quand'é que tás de banco, cachopa?)
Beijinhos, o post está excelente
AI Erecteu não vás por aí. Ainda está para nascer o sr director que me meta medo. Só para veres eu comprei um gato ;)
ResponderEliminarE deixa-te de ideias que não me apetece trabalhar contigo aos uis.
obrigado amigo
beijinhos
Está, de facto. E de azul nem está mal de todo, bem pior seria verde!
ResponderEliminarPois é neste país não dá para seguir vocações. Deveríamos ter nascido na Holanda ou em Itália!
ResponderEliminarCom vocações desenvolvidas ou sem elas aposto que és linda na mesma!
Beijinhos
CSD
Foi a mais linda resposta que eu poderia esperar... só desejo que dês asas aos sonhos, que coles muitos ossos e cosas muitos tecidos rasgados, para dares vida àquilo que à partida a parece ter perdido.
ResponderEliminarMuitos beijos menina de azul.
de que cor são os anjos?
ResponderEliminarah... bem me parecia que eram azuis!
Olha que gaja mais gira que está na foto! :)
ResponderEliminarSempre re-inventando as possibilidades parece-me ser o melhor caminho para ser "grande"! ;)
ResponderEliminarGasel, já lá vai o tempo em que era verde.
ResponderEliminarMas antes azul que vermelho, pelo menos levo menos com o toureiro.
:D
Claudia
lá dizia o meu avó que a beleza vem de dentro.
:DD
beijinhos
Elipse
ainda bem que estava sentada sobre ele, assim não consegues ver a cauda ponteaguda a abanar.
;o)
Bigodes pá!
há séculos que não te ponho os olhos nos pelos!!
Patioba
se a vida te der limões faz limonada.
Embora eu nem seja aprecidora...
;)
Eu sei que sim JP, mas tenho a certeza que a tens de sobra tanto interna como externa!
ResponderEliminarConcordo com a opinião da Bastet.
Sem tirar nem por!
Beijocas
CSD
JP:
ResponderEliminarPor que as pessoas não se podem comparar mas em todo o caso, acho eu que a Helena do 'Páginas da Vida' se se parece muito contigo. Tanto no aspecto da beleza quanto na entrega da sua profissão. Gostei muito de ver-te e estás mesmo com ar de artista. Um beijo.
gosto desta escrita :-)
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