quinta-feira, fevereiro 26, 2009

A verdade da mentira

Chegou então a altura do cair do mito. Podia até ser das folhas, mas ainda não estamos nessa época gloriosa dos laranjas e dos amarelos e dos marmelos embora nestes últimos dias o cheiro pestilento que as ruas cá do burgo exalaram me tenham lembrado sem querer, o tempo em que na adolescência nos deliciávamos a partir uns frascos minúsculos de vidro na sala de filosofia. O cheiro nauseabundo de gazes putrefactos que provinham directamente de intestinos em decomposição era deveras estonteante e, as minhas poucas células cinzentas ainda em funcionamento ainda se riem alarveirosamente ao recordar o olhar esgazeado da velha professora, já completamente histérica, que achava que o melhor castigo era fechar-nos a todos lá dentro. Sai mais uma garrafinha de mau cheiro para a mesa da frente. Adiante.
Eis findo o prefácio das verdades e das mentiras.
Comecemos.
A nº 1 é mentira. Não foram 8 mas foram 5. E não contam as casas de férias. Essas para mim não são casas, são pequenos apeadeiros onde pernoitei, alugadas, que deixaram de existir há mais de três anos pois já sou chulada que chegue pelo governo anualmente.

A nº 2 é verdade. O meu pai era cangalheiro, encomendava sempre face to face os ditos de pau-santo-preto-ou do que quiserem, lá para os lados do Porto. Era habitualmente ao fim da tarde e a dois, que se iniciava a lendária odisseia das sete horas em estradas que não lembram ao diabo. E uma noite o Mercedes entrou debaixo de um camião que iniciou a curva em contra-mão. Três horas depois de alicates em chapa e angústias paternais, levaram-me para a unidade do São João com um traumatismo craniano -percebem agora decerto como está tudo interligado.

A nº 3 é mentira. A mais horrenda e agoniante mentira que já preguei. Odeio banana! Mas assim a odiar mesmo, pele de galinha, revolteio estomacal com saliva biliosa e tudo. E com laranja - que só marcha em forma de sumo - e bolacha misturada é, puro suicídio.

A 4 é verdade. Por mais macabro que o imaginem e sem nexo, a melhor forma de defesa depois de uma automática é uma que não faça barulho. Sou parte das estatísticas de violência doméstica, e tenho noites em que ainda acordo de salto pronta a zarpar.
Não há cura no silêncio e auto-suplício e eu, aprendi a defender-me.

A 5 é verdade. Uma das minhas cadelas ao cair de barriga em cima de uma Yuca, perfurou um intestino ficando parte do pico lá enfiado. O veterinário de urgência estava sozinho nesse sábado, e só me restou ser o seu ajudante -Isto é muito parecido ao que tu fazes. Ajuda-me por favor ou ela morre.

A 6 também é verdade. Embora me levante ao primeiro toque o horário está sempre na corda bamba. A malta mija e no entretanto vai lavando a dentuça. Um bocado buçal confesso.

A 7 é verdade. Estava a entrar de turno, ainda na estrada de terra junto à quinta onde morei. A vaca desde manhã que mostrava sinais de parto iminente, mas agora urrava e espumava deitada com uma das patas do vitelo de fora e, nada. Não entrei na cerca borrada de medo, mas a taquicardia quase me fazia vomitar. Sorte a minha deparar-me com uma vaca exausta e inteligente que me deixou enfiar a mão e o braço naquele canal viscoso e sanguinolento atar uma corda aos dois pés da cria, e de rabo no chão e pés descalços na ilharga da bicha ir puxando devagar a vitela que em honra da madrinha se começou a chamar Jonas. Não é propriamente a coisa mais bonita ter uma vaca com o meu nome, mas todas as tardes a minha filha mais nova me obrigava a parar na berma para ir oferecer de merenda malmequeres frescos, aos olhos castanhos com as pestanas mais bonitas que já vi na vida.

A 8 é verdade – gotinha, pá! Esta é para ti. Depois de mais um fim-de-semana em que o gajo não me entregava os putos, após uma espera de quatro horas pelo findar de mais uma reunião na porta do local onde o dito trabalhava, convulsionei. Foi interpelado, espremido e seguido. Posteriormente empurrado para um local recôndito. Ele e o carro - eis mais uma das vantagens de se ter um jeep. Na tentativa de sair do carro e telefonar para a irmã que cautelosamente escondia os putos na casa dela, foi encostado de vez ao muro. E sim Marie, nesse dia fumei o cigarrinho no tejadilho, enquanto rodava o telemóvel da criatura com a outra mão.
E depois, fui apanhar os putos depois de vários pontapés na porta da triste imbecil, e enche-los de mimos lá em casa.

A 9 é mentira. Tenho um humor insuportável ao acordar, não suporto barulho nem apertos, e detesto forçar as hormonas logo de manhã. Tenham dó.

7 comentários:

  1. bem... acho que posso dizer que a tua vida dava um filme, assim uma espécie de tragicomédia, qualquer coisa do Kusturica, por exemplo. =)
    (tinhas razão, não te conhecia... de todo)
    bjs**

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  2. Sempre me pareceu que os tinhas no sítio para o que desse e viesse. :) E perante tais argumentos revelados, eu pensava em vender o guião a Hollywood :)porque além de ser uma história tocante criaria um novo de filme de acção em que o protagonista é uma mulher mostrando que há em Portugal uma Lara Croft. :)

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  3. Gata toma piropo:
    Não sabia que as flores escrviam;-))

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  4. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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  5. Estás certa com a tragicomédia fabulosa, mete ciganos e tudo ;)
    toma beijo

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  6. lá para baixo escrevi um post sobre tomates Marie :)
    tinha a ver com isto tudo.
    e em Portugal há milhares de Laras, normalmente meio invisíveis, como convém, aliás.
    ;)*

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  7. Claire, toma troca:
    Não sabia que as grandes árvores da floresta bailavam à noite. :)

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