segunda-feira, janeiro 14, 2008

reencontros

Voltaram a perguntar-me porque me deixei lá ficar durante tanto tempo.

-Por inércia, por desleixo, por medos não interiorizados, por baixa auto-estima essencialmente.

-Tu!? Mas desde quando é que deixaste de ter auto-estima?!

- Quando deixei de me olhar ao espelho.

- Mas isso é uma parvoíce. Tem que haver outra razão. Tu és igual ao que sempre foste, pouco ou nada mudaste, ou melhor, até melhoraste. Por amor da Santa, isso é uma insensatez! O gajo era, e é, de certeza um animal, pátati, patátá…

Desliguei o sensor,e bloqueei os centros receptores. Restava-me olhá-la por detrás dos óculos escuros, enquanto lhe via brilhar a aliança.

Zurzir nos pobres homens analfabrutos a quem a mãe natureza não dotou de sensibilidade mediúnica para prever o nosso próximo desequilíbrio hormonal, é considerado o top das prioridades socialmente correctas. Nós nunca temos culpas. Eles acumulam todas as inépcias e handicapes mundiais.

Eu sei que faço parte dos gráficos.

Não gostei, e não gosto.

Mas não me senti especialmente humilhada. Ele era maior, com o dobro da superfície muscular e, com metade dos neurónios disfuncionais. Só conseguia sentir raiva por não lhe poder retribuir da mesma maneira violenta, embora mais tarde se tenha transformado de calmeirão em vítima, quando interpôs recurso no processo de acusação de violência e maus-tratos. Devia na primeira dose tê-lo denunciado. Este foi o meu primeiro erro, apenas e só. Permiti. Agora é chorar sobre o leite derramado.

Mas este género, nem sequer é o grau de pureza certa.

Pior é, quando a inteligência modificada faz uso de formas veladas e reboladas, de manipulações embrulhadas em lacinhos cor de mel, em que ás vezes é doce e noutras fel fenilanizado, capaz de nos fazer ingerir duas taças de seguida e nem perceber de onde nos vem tanta azia. Lambuzam-nos o ego carente, e instalam-se em jeito de parasita numa velosidade angulada.

E sorvem sempre.

-Estavas a dizer o quê mesmo?

11 comentários:

  1. Concordo com a tua pintura com muitos tons de cinzento que nada é a branco e preto. :)
    E na facilidade de no choro deixar que nos lambuzem. Até descobrirmos que ainda temos neurónios para aprender a não repetir as mesmas doses. :)

    ResponderEliminar
  2. Ele há coisas com demasiadas nuances marietree.
    o truque está mesmo em aproveitar os restantes neurónios que não foram consumidos pela fúria
    :)

    ResponderEliminar
  3. Querida JP, o quadro que pintas está mesmo muito fiel à realidade que já tive oportunidade de observar.

    O problema é que essas manipulações, sejam elas adocicadas ou embebidas em fel têm tendência a adormecer ou etilizar os neurónios...

    Felizmente, há dois medicamentos que combinados são um excelente antídoto: em primeiro lugar o nosso leque de amizades (hão-de reparar que o manipulador ou abusador tenta sempre isolar a vítima afastando-a dos amigos ao inventar defeitos ou elaborar intrigas mais ou menos bem conseguidas como toda a aranha humana) - felizmente sempre preservei as minhas amizades como se fossem jóias... - o outro remédio é ler sobre o assunto - por dizem, alguns autores de livros que se vendem como comida de plástico que "As mulheres que lêem são perigosas"...

    Não se esqueçam que a leitura mantém os neurónios activos...

    Beijos


    CSD

    ResponderEliminar
  4. JP:

    Pois é, muitas vezes nem queremos acreditar que algo acontece connosco, mas lá vem o dia que nem mesmo lambuzados adocicados nos permite permitir! São fases que podem ou não deixar saudades! Um beijo.

    ResponderEliminar
  5. "Devia na primeira dose tê-lo denunciado."

    E, quanto a mim, isto diz tudo o que há a dizer sobre o tema.
    Sabemos que não é assim que acontece. Quase nunca é assim. Porque as mulheres, pelas razões que já mencionaste ou dezenas de outras ("é só mais uma oportunidade; ele se calahr vai mudar; estava alterado por um problemA" e blábláblá...), raramente o fazem na primeira dose. E não devem MESMO sentir-se humilhadas por isso. Devem, antes, sentir-se vitoriosas no dia em que o conseguem, finalmente. Digo eu.

    ResponderEliminar
  6. Pois é querida Cláudia,ler e ter com quem desabafar mas que tenha capacidade de distanciamento, é essencial. O resto é parte integrante do que nos resta e que ainda não foi adormecido.
    e sim, as mulheres que lêem são perigosas, e as outras também ao fim ao cabo...
    beijocas :)

    ResponderEliminar
  7. Não deixam grandes saudades Soslayo, embora não sejam para esquecer. Há coisasa que não podem e não devem ser esquecidas. Amolecem-nos ;)
    :)*


    E dizes muito bem querida mar!
    Encheu-me o peito de um ar que não me lembrava. e a sensação de largura e comprimento que se levantou? a estranheza de não ter e ter tudo?
    ;)

    ResponderEliminar
  8. Mulher, dar palpites nas realidades dos outros é um desporto fácil e sem esforço. Viver a nossa vida é que é bem mais complicado, já que ela nunca traz livro de instruções. Se soubesses a quantidade de "lições" que me quiseram dar - desde o mais comum dos mortais até ao mais imbecil dos psiquiatras - sobre como superar a dor quando morreu o meu namorado! E os resultados nunca vieram nos passos nem nos prazos que me tentaram impor. Vieram a seu tempo, no meu tempo. Alguns ainda nem sequer estão completamente acabados, nem é suposto estarem. Sim, pode-me custar imaginar que tivesses passado pelo que passaste e até que o tivesses suportado mais do que a primeira vez. Mas se pensar bem, não tem nada que me custar. Até porque, em consciência, ninguém, mas ninguém mesmo, pode atirar qualquer pedra ou sequer dizer que, sob determinadas circunstâncias, não teria atitudes semelhantes, vivências parecidas. E que ninguém te cobre uma coragem que não pode garantir que ela mesma tenha. Só quem por elas passou. E mesmo esses, depende de muita coisa. Palpites são tretas, mesmo que, tanta vez, cheios da mais pura boa vontade. Fazes bem em desligar: há sempre um céu bonito (ou um fundo do mar) para nos encher a imaginação enquanto nos tentam encher os ouvidos.

    ResponderEliminar
  9. eu gosto quando te espraias assim Hipatialudovia, peito cheio, olho brilhante e as veias dilatadas.
    dá-me muito gozo ler-te.
    e desligo,
    claro,
    tu sabes.

    ResponderEliminar
  10. Escrever faz parte do "processo de cura", ser capaz de verbalizar tudo, de racionalizar e seguir em frente...

    Coragem!

    Um beijo

    ResponderEliminar