segunda-feira, novembro 08, 2004

Acabo de ler “vim parar em terra de ninguém”…
É assim a grande maioria das vezes que me sinto, estrangeira em terra de ninguém, com passado longe e presente meio nublado. Não porque me sinta mal não é isso, é uma angústia que por alturas do dia se manifesta em crescendo, denotando-se uma ligeira irritação não catalogada. É como se não pertencesse a lado nenhum, quase obrigada pela forças das circunstâncias a abandonar o berço.
De fraldas andei por aqui e por ali, enfant terrible chorona e agitada, como se a ansiedade já me tolhesse os passos de nascença. Dispararam-me de improviso para terras interiores secas e áridas, talvez o calor me acalmasse, o dinheiro também não abundava, desculpas tardias confessadas em gritos patéticos de fúrias atiradas em cuspo violentas ostracizadas…
Nem nos braços quentes e moídos do meu avô materno, encontrava a felicidade eterna. Adormecia a escutar a história da Carochinha que tinha um vintém e queria arranjar namorado à porta da cozinha.
Talvez por isso, criança solitária egoísta em grupo, me isolava perdida no mundo dos sonhos, escrevinhando arabescos no tampo das carteiras de madeiras, substituídas anos mais tarde por tampos de laminados verdes escarro que me entediavam de morte.
Nem mesmo no dia do meu casamento consegui deixar de ter a cabeça meio difusa. Entreti-me a mirar por socalcos rostos e expressões, lágrimas disfarçadas, monopólios de conversas de quem mal se conhece, tudo muito apressado, paixão súbita e desarmante ancora que me atirou para a nudez do mundo.
Que sejam felizes, até choveu nesse dia e tudo, e tenham juízo e assim, e eu sempre tive muito, por acomodação, por ser velha de pequena, por está bem não me chateiem que eu quero é sopas e descanso, e para não me tolherem os passos na procura onde pertencia.
Durante uns tempos fui aparentemente feliz. Achava eu que me pertencia, que era dona e senhora do meu nariz constantemente à volta, com os sentimentos alheios. E os meus onde se encaixavam? No fazes bem és uma senhora, mãe e esposa dedicada, filha mal amada por incompreensão, por mea culpa, para não ter que justificar por A+B o porquê da mágoa.
Sempre ouvi dizer que quanto mais se mexe na merda mais mal ela cheira.
Uma coisa tenho certo, a energia revigorada, quando quente e nua aleitava os meus nados vivos, como se bocados de mim se soltassem livres para prosseguir sem peias, crias amadas geradas por dois, mas queridas por mim apenas.
Mesmo agora com um sorriso escondido, encerrado sobre as pestanas camuflado, me revejo criança altiva, meio despistada, terna à procura de abraços, que não nego porque me fizeram tanta falta… mesmo quando no papel de mestra professora lhe rosno, tirem os dedos do nariz, digam obrigado e faz favor, e vão lá falar à amiga da vossa avó, e não se lastimem em ter um pai descompensado, que já é uma sorte ele viver a cento e tal quilómetros.


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