quarta-feira, janeiro 29, 2020


A Dolores era qualquer coisa de estratosférico.

Uma alma velha acolhedora, num corpo jovem quando a conheci que me via através das mágoas, dos estrebuchos juvenis, das arrogâncias inoportunas e do medo profundo calcado de não ser crescida o suficiente, numa “terra de velhos” submissos e serviçais.
A Dolores acolheu-me no seu seio e chamou-me filhota, num tempo e no princípio do tempo em que fui desprezada pelos pares apenas porque era diferente, irreverente e respondona.
Foi a Dolores que me ensinou quase tudo o que sei de Bloco Operatório. A ela devo o colo e o aconchego chorado e sofrido em dias de desespero nos exames de Gastro na salinha do castigo ao lado do Bloco. Com ela reaprendi o que é a resiliência, a humildade, a bondade o desinteresse amigo e a fé no próximo.
Dela, levo tanto e transporto tanto na memória dos seus olhos verdes pestanudos e magoados. Ela que me dizia há uns anos atrás, que a vida a “tinha atropelado” quando ficou viúva. Levo o sorriso e as mãos doces que me afagaram quando me dizia ao ouvido: são uns cabrões eu sei, mas és mais forte do que eles! Atira-te a eles e não te deixes pisar mas vai com calma.
A Dolores morreu, cedo demais. Parte do meu passado também.
Choro-a porque a conheci de outra maneira, porque serei sempre a “filhota” e ela a minha “mãe”.

Até logo Dolores...



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