sábado, fevereiro 05, 2005

Confusão de cheiros

O que escrevi foi:- palavra de honra que hei-de morrer sem saber o que leva as pessoas a adorar a comida...
É giro ler as conclusões a que as pessoas chegam depois da leitura de um desabafo.
Uma coisa meus caros, é satisfazer o apetite com um pão que “arrancámos” ás entranhas do forno a lenha que ainda crepita na pá lisa, abri-lo e barra-lo de manteiga perfumada de alho, ou de azeite do olival que existe nas traseiras do monte, ou ainda deixar que uma rodela de chouriço de porco preto de Barrancos se enrole lânguida na côdea estaladiça…
e outra coisa é transformar o simples acto de mastigar em algo místico como fala o ABS.
Se calhar cacarejo assim de barriga cheia de comidas e odores do Alentejo, por ter vivido lá quase 40 anos.
Claro que gosto de comer e lamber os dedos besuntados de secretos grelhados, de farinheira e entrecosto, de pimentos e cebolas e batatas perfumadas, de migas gatas, de ovos mexidos com”silarcas” presunto e espargos bravos, e de açorda de alho com coentros e bacalhau, e de perna de javali assada no barro…regado de Cartuxa, ao som dos seus sinos, de Monsaraz ou Redondo, ou Pias ou Esporão, ou ainda Estremoz com o Monte da Pestana, conhecem? vinhos tintos rubis generosos, que nos pesam nos olhos e na alma repleta.
Mas não idolatro a comida nem o acto de comer, nem o comparo a sexo, embora seja uma forma diferente de comida e nisso concordo com a Luz.
E sim, gosto de cozinhar, de preparar patuscadas várias, de misturar e recriar novos e velhos pratos.

Mas, prefiro a experiência mística de cheirar a orvalhada das Estevas na madrugada, ao som do rio que se espreguiça ali ao fundo, ancorado pelo som surdo das garças boieiras, que deslizam alvas rio abaixo. E pensar depois que ao meio-dia vou mergulhar os pés na água fresca, encostada a um moinho secular de pedras frias…
Isso sim é que me enche as entranhas.
E façam favor de ter um bom fim-de-semana.
Beijos

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